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sábado, 26 de novembro de 2016

JUVENTUDE ANOS DOURADOS

Diogo Fontenelle
 Eram os astros dos filmes americanos que ancoravam na vida real
...
Ou eram os jovens do cine São Luiz que mergulhavam na fantasia.
O fato é que a rotina de frustrações dava lugar ao sonho de cristal.
Os moços com os seus topetes de brilhantina e lambretas em folia
Juntos com as moças, as ditas “brotinhos”, reuniam-se em bandos
Pela avenida Treze de Maio para flanar, para um recolorir da vida.
Era a sublimação do desejo juvenil à luz do mundo sem comandos,
Ao dedilhar do mundo alheio, de aventuras imaginárias foragidas.
Era o “Presidente Bossa Nova” a valsear no salão em contradança.
Era o “sonho americano”, era a América reflorida pelo Brasil folião.
São os Anos Dourados a bordo da lambreta azul-bem-aventurança,
É a juventude etérea a vagar no cinema demolido, no olhar ancião.

O AQUI E O ALÉM

Diogo Fontenelle

Para Rodrigo Marques Braga

O frêmito das asas de abelhas pelo jardim,
O perfume de rosa a tanger o dia dourado,
O canto do beija-flor da serra verde cetim,
E a estrela matinal com seu hino prateado
Vêm falar da vida efêmera dentro de mim.
Mas, o azul dos céus além fala do Sagrado.
Vivemos a tecer o futuro que não veremos
E a transluzir o vivido para sempre apagado.
São diálogos a esmo sem rumos nem remos,
É monólogo impossível, é a voz do Sonhado.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

PRESÉPIO DE NATAL DO SERTÃO

 Diogo Fontenelle
 

Para a Menina do Olhar Violeiro, Marina Mesquita.
Natal que despertava belas pastoras e reis magos dourados
Ao bailar do faz de conta florido pelo sonhar de verde chão,
Natal das miudezas infantis a espantar mundanos pecados,
Natal do presépio de pedra, flor do mato e pluma de ilusão.

Presépio com o céu de papelão azul e as nuvens de algodão,
Com penas de aves de cores roubadas do arco-íris altaneiro,
Com a manjedoura de palha e carneirinhos de miolo de pão.
Humilde presépio a ninar o Menino Deus com olhar violeiro:
“Carneirinho, carneirão... Olha pro céu, olha pro chão!...”

ACENOS DE ONTEM

“Que é a saudade senão uma ironia do tempo e da fortuna?”
(Machado de Assis)
Diogo Fontenelle



O Jornal do Brasil mancheteou que no mês de dezembro do ano de cinquenta
Ocorreram quatro assaltos à mão armada na capital federal do Rio de Janeiro.
Quem sobreviveu, vê a violência a reviravoltear-se em mil faces de tormenta.
A vida, qual fugidia ave noturna, fez tantos giros ao redor do meu travesseiro.

Entre os caprichos do acaso, tantos mistérios e abismos se perderam ao léu.
Mas, foi o sonho, a erva daninha, que devastou os canteiros da minha razão,

Foi o sonho que centelhou a minha juventude pelas plumas do tempo corcel.
Foram as radionovelas que me fizeram gaivota a revoar com asas de algodão.
Ainda ouço ao longe a carinhosa guarânia das lunações derramadas pelo céu:
“Encosta a tua cabecinha no meu ombro e chora.”... E foi tudo velada ilusão.

NOS TEMPOS DA RÁDIO NACIONAL

Diogo Fontenelle
Para Luciano Hortêncio


O JARDINEIRO DE ONTEM

Diz a lírica lenda que o bandido Cabeleira, fiel ouvinte da Rádio Nacional,
Ao ouvir o apelo radiofônico da sua mãe para que se entregasse à Polícia,
Comoveu-se de tal sorte que logo atendeu ao pedido à luz do amor filial.
Rumoreja o folclore do Rádio que uma diva radioatriz anunciou a notícia
Que foi roubada e pedia que o ladrão deixasse sua medalha devocional.
Logo veio o ladrão devolver o roubo em troca do autógrafo da radioatriz.
Outra voz do Rádio revela que uma alucinada fã do ator Paulo Gracindo
Foi proibida de assistir a programas de auditório por longo tempo infeliz,
A desolada fã ensombreou-se e veio despenhar-se no fatal túnel infindo.

Eram assim os tempos da Rádio Nacional, era assim um mundo sem igual
De bandidos amantes do Rádio, de aluados fãs de radionovelas refloridas,
De canções de ninar, de risonhos bandolins, violas e violinos em madrigal,
Da minha Infância desfolhada ao sopro de azuis sonhares em despedidas.